A importância de Ambientes Nutridores para o bem-estar humano

setembro 20, 2017
Por Thiago Calegari e Cândido Pessoa

Nos dias de hoje, os chamados problemas psicológicos e de comportamento atingiram proporções jamais vistas. A depressão, por exemplo, já foi chamada de “mal do século”. O déficit de atenção e hiperatividade já recebeu muita atenção da mídia como um problema frequente em crianças. Em 2015, o país observou a rediscussão sobre a maioridade penal. Os índices sobre a experimentação precoce de drogas lícitas (como álcool e tabaco), abuso sexual contra crianças e homicídios no Brasil também chamam a atenção. Violência entre facções criminosas em presídios abalam ainda mais o tão precário sistema carcerário do nosso país. Agora parece que está chegando a vez da síndrome do pânico... parece que estamos vivendo uma epidemia de problemas psicológicos, emocionais e de relacionamento interpessoal.

Mas, afinal, por que esses problemas continuam ganhando proporções cada vez maiores? Há alguma coisa que ainda podemos fazer para preveni-los ou amenizá-los? Felizmente, graças aos avanços obtidos pelas ciências comportamentais ao longo dos últimos 50 anos, já acumulamos uma quantidade muito grande de conhecimento que nos permite ir além do tratamento ou remediação desses problemas. Esses avanços nos permitem, agora, prevenir esses problemas de ocorrer!

Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)

Em 2012, um grupo de pesquisadores publicou um artigo descrevendo as características de um ambiente social que poderia orientar nossas ações e também nossas políticas públicas no sentido de melhorar as nossas relações interpessoais. E por que isso é importante? Porque todos os enormes problemas mencionados no início deste artigo são de origem social ou têm fatores sociais como principais causas. Além disso, esses problemas estão inter-relacionados. As descrições que esse grupo de pesquisadores fez sobre esses ambientes sociais foram baseadas nesses 50 anos de pesquisas e a esses ambientes – que são capazes de prevenir o aparecimento de tantos problemas – foi dado o nome de Ambientes Nutridores. Imaginem um ovo. Para que o embrião se desenvolva e se torne um pintinho, o ovo deve ser um Ambiente Nutridor para o embrião: a gema, por exemplo, é repleta de proteínas, gorduras e vitaminas das quais o embrião se alimentará; a clara, por sua vez, contém água suficiente para hidratar o embrião e, ao mesmo tempo, amortecer impactos, protegendo a gema; a casca, por fim, além de proteger tudo o que há dentro do ovo e manter a sua integridade, facilita a passagem de ar para seu interior. Mas, ao fim, todos esses “ingredientes” precisarão do calor de outro organismo (no caso, da galinha) para que outro organismo (o pintinho) possa se desenvolver. Portanto, até mesmo chocar um ovo pode ser metaforizado como um processo “social”. Assim como um ovo possui essas características, que nutrirão e auxiliarão o embrião em seu desenvolvimento, os Ambientes Nutridores também possuem certas características para auxiliar as pessoas, sobretudo as crianças, a se desenvolverem e se tornarem pessoas mais carinhosas, produtivas e cuidadosas para com os outros. Viver em um Ambiente Nutridor significa quatro coisas: 1) que estamos atentos e procuramos valorizar nas outras pessoas, constantemente, todos aqueles comportamentos que trazem benefícios para os outros ou que contribuam para a nossa vida em comunidade, 2) que procuramos evitar ou minimizar, ao máximo, a promoção de relacionamentos interpessoais tóxicos, como aqueles em que há ameaças, punições, castigos e imposição de qualquer tipo de dor e sofrimento, 3) que tentamos colocar limites ou evitar situações que possam provocar o aparecimento de comportamentos que atrapalhem a harmonia de nossos relacionamentos e 4) que buscamos promover a flexibilidade psicológica (ou resiliência, como algumas pessoas preferem chamar).


Vídeo: The Nurture Effect Trailer
Legendado por Thiago Calegari

Hoje em dia, existem práticas, programas e até algumas políticas públicas que contêm alguns ou todos os elementos característicos de um Ambiente Nutridor. Na Educação, por exemplo, um dos programas mais difundidos para crianças de Ensino Fundamental I em diversos países é implementado pela própria professora, em sala de aula. Neste programa, os ciclos de coerção que muitas vezes se estabelecem entre a professora e as crianças – e que estão na base do surgimento de diversos problemas psicológicos e de comportamento – são substituídos por práticas mais positivas de interação interpessoal entre a professora e as crianças e entre a criança e seus coleguinhas. Esse programa ficou conhecido como Good Behavior Game. Para termos uma ideia do impacto do Good Behavior Game no bem-estar psicológico e comportamental de crianças e adolescentes, diversas pesquisas mostram efeitos positivos de curto, médio e longo prazo sobre os seguintes problemas: indisciplina em sala de aula, violência, abuso e dependência de drogas (incluindo o álcool), experimentação e uso diário de tabaco, comportamento antissocial, procura para tratamento de problemas emocionais, ideação e tentativa de suicídio e o sobre desenvolvimento de déficit de atenção e hiperatividade. Além disso, existe alguma evidência de que o uso do Good Behavior Game tem um efeito sobre o comportamento do professor no sentido de fazê-lo elogiar seus alunos com mais frequência e fazer menos comentários negativos.

Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)

       A ciência transformou dramaticamente o mundo em que vivemos nos últimos 150 anos. O estudo científico do comportamento humano poderia nos conduzir a uma transformação profunda em nossos relacionamentos interpessoais, a ponto de prevenir os mais diversos problemas psicológicos e comportamentais que nos afligem há séculos? A resposta é sim. O que precisamos fazer, agora, é tornar todo esse conhecimento disponível para todo o mundo. Como disse o Dr. Tony Biglan em 2015, já temos o conhecimento do qual precisamos para construir um mundo melhor, de modo que praticamente cada jovem chegue à fase adulta com as habilidades, interesses, hábitos saudáveis e valores necessários para viverem uma vida produtiva e em relacionamentos carinhosos uns com os outros.

Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)



Referências

Barrish, H. H., Saunders, M., & Wolf, M. M. (1969). Good Behavior Game: effects of individual contingencies for group consequences on disruptive behavior in a classroom. Journal of Applied Behavior Analysis, 2, 119-124.

Biglan, A. (2015). The Nurture Effect: How the Science of Human Behavior can improve our lives and our world. Oakland, CA: New Harbinger Publications, Inc.


Biglan, A., Flay, B. R., Embry, D. D., & Sandler, I. N. (2012). The critical role of nurturing environments for promoting human well-being. American Psychologist, 67(4), 257-271.

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