A importância de Ambientes Nutridores para o bem-estar humano
Por Thiago Calegari e Cândido Pessoa
Nos dias de
hoje, os chamados problemas psicológicos e de comportamento atingiram
proporções jamais vistas. A depressão, por exemplo, já foi chamada de “mal do
século”. O déficit de atenção e hiperatividade já recebeu muita atenção da
mídia como um problema frequente em crianças. Em 2015, o país observou a
rediscussão sobre a maioridade penal. Os índices sobre a experimentação precoce
de drogas lícitas (como álcool e tabaco), abuso sexual contra crianças e homicídios
no Brasil também chamam a atenção. Violência entre facções criminosas em
presídios abalam ainda mais o tão precário sistema carcerário do nosso país. Agora
parece que está chegando a vez da síndrome do pânico... parece que estamos
vivendo uma epidemia de problemas psicológicos, emocionais e de relacionamento
interpessoal.
Mas, afinal,
por que esses problemas continuam ganhando proporções cada vez maiores? Há
alguma coisa que ainda podemos fazer para preveni-los ou amenizá-los? Felizmente,
graças aos avanços obtidos pelas ciências comportamentais ao longo dos últimos
50 anos, já acumulamos uma quantidade muito grande de conhecimento que nos
permite ir além do tratamento ou remediação desses problemas. Esses avanços nos
permitem, agora, prevenir esses problemas de ocorrer!
Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)
Em 2012, um
grupo de pesquisadores publicou um artigo descrevendo as características de um
ambiente social que poderia orientar nossas ações e também nossas políticas
públicas no sentido de melhorar as nossas relações interpessoais. E por que
isso é importante? Porque todos os enormes problemas mencionados no início
deste artigo são de origem social ou têm fatores sociais como principais causas.
Além disso, esses problemas estão inter-relacionados. As descrições que esse
grupo de pesquisadores fez sobre esses ambientes sociais foram baseadas nesses
50 anos de pesquisas e a esses ambientes – que são capazes de prevenir o
aparecimento de tantos problemas – foi dado o nome de Ambientes Nutridores. Imaginem um ovo. Para que o embrião se
desenvolva e se torne um pintinho, o ovo deve ser um Ambiente Nutridor para o
embrião: a gema, por exemplo, é repleta de proteínas, gorduras e vitaminas das quais
o embrião se alimentará; a clara, por sua vez, contém água suficiente para
hidratar o embrião e, ao mesmo tempo, amortecer impactos, protegendo a gema; a
casca, por fim, além de proteger tudo o que há dentro do ovo e manter a sua
integridade, facilita a passagem de ar para seu interior. Mas, ao fim, todos
esses “ingredientes” precisarão do calor de outro organismo (no caso, da
galinha) para que outro organismo (o pintinho) possa se desenvolver. Portanto,
até mesmo chocar um ovo pode ser metaforizado como um processo “social”. Assim
como um ovo possui essas características, que nutrirão e auxiliarão o embrião
em seu desenvolvimento, os Ambientes Nutridores também possuem certas
características para auxiliar as pessoas, sobretudo as crianças, a se desenvolverem
e se tornarem pessoas mais carinhosas, produtivas e cuidadosas para com os
outros. Viver em um Ambiente Nutridor significa quatro coisas: 1) que estamos
atentos e procuramos valorizar nas outras pessoas, constantemente, todos aqueles comportamentos que trazem benefícios
para os outros ou que contribuam para a nossa vida em comunidade, 2) que
procuramos evitar ou minimizar, ao máximo, a promoção de relacionamentos
interpessoais tóxicos, como aqueles em que há ameaças, punições, castigos e imposição
de qualquer tipo de dor e sofrimento,
3) que tentamos colocar limites ou evitar situações que possam provocar o
aparecimento de comportamentos que atrapalhem a harmonia de nossos
relacionamentos e 4) que buscamos promover a flexibilidade psicológica (ou
resiliência, como algumas pessoas preferem chamar).
Vídeo: The Nurture Effect Trailer
Legendado por Thiago Calegari
Hoje em dia,
existem práticas, programas e até algumas políticas públicas que contêm alguns
ou todos os elementos característicos de um Ambiente Nutridor. Na Educação, por
exemplo, um dos programas mais difundidos para crianças de Ensino Fundamental I
em diversos países é implementado pela própria professora, em sala de aula.
Neste programa, os ciclos de coerção que muitas vezes se estabelecem entre a
professora e as crianças – e que estão na base do surgimento de diversos
problemas psicológicos e de comportamento – são substituídos por práticas mais
positivas de interação interpessoal entre a professora e as crianças e entre a
criança e seus coleguinhas. Esse programa ficou conhecido como Good Behavior Game. Para termos uma
ideia do impacto do Good Behavior Game
no bem-estar psicológico e comportamental de crianças e adolescentes, diversas
pesquisas mostram efeitos positivos de curto, médio e longo prazo sobre os
seguintes problemas: indisciplina em sala de aula, violência, abuso e
dependência de drogas (incluindo o álcool), experimentação e uso diário de
tabaco, comportamento antissocial, procura para tratamento de problemas
emocionais, ideação e tentativa de suicídio e o sobre desenvolvimento de
déficit de atenção e hiperatividade. Além disso, existe alguma evidência de que
o uso do Good Behavior Game tem um efeito sobre o comportamento do professor no
sentido de fazê-lo elogiar seus alunos com mais frequência e fazer menos comentários
negativos.
Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)
A
ciência transformou dramaticamente o mundo em que vivemos nos últimos 150 anos.
O estudo científico do comportamento humano poderia nos conduzir a uma
transformação profunda em nossos relacionamentos interpessoais, a ponto de prevenir
os mais diversos problemas psicológicos e comportamentais que nos afligem há
séculos? A resposta é sim. O que precisamos fazer, agora, é tornar todo esse
conhecimento disponível para todo o mundo. Como disse o Dr. Tony Biglan em
2015, já temos o conhecimento do qual precisamos para construir um mundo
melhor, de modo que praticamente cada jovem chegue à fase adulta com as
habilidades, interesses, hábitos saudáveis e valores necessários para viverem
uma vida produtiva e em relacionamentos carinhosos uns com os outros.
Projeto Good Behavior Game - Município de Barueri - SP
Foto: Thiago Calegari (arquivo pessoal)
Referências
Barrish, H.
H., Saunders, M., & Wolf, M. M. (1969). Good Behavior Game: effects of
individual contingencies for group consequences on disruptive behavior in a
classroom. Journal of Applied Behavior Analysis, 2, 119-124.
Biglan, A.
(2015). The Nurture Effect: How the Science of Human Behavior can improve
our lives and our world. Oakland, CA: New Harbinger Publications,
Inc.
Biglan, A.,
Flay, B. R., Embry, D. D., & Sandler, I. N. (2012). The critical role of
nurturing environments for promoting human well-being. American
Psychologist, 67(4), 257-271.
Sobre os autores:
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