Dos meios e do fim
Por Ingrid Bianchini
"A coisa mais fina do mundo é o
sentimento"
A gente não aposta tudo o que tem de
bens materiais sem nenhuma garantia de retorno, ou pelo menos tenta não apostar
em totalidade. Para tudo, a gente tende a analisar antes de mergulhar de cabeça
financeiramente ou de dispor muito tempo e energia em alguma atividade. Para
muita coisa externa a gente pensa nos meios para chegar a um fim. Mas, quando a
gente se relaciona e se deixa envolver, parece que o único fim é estar junto, a
gente esquece de algo primordial chamado "eu", não é ingenuidade, é
porque parece que nada vai dispersar o que se sente, aquela sensação de
infinito romantizado passa conforto e segurança, a gente mergulha de cabeça em
sentimentos, logo neles que são confusos, mas tudo bem, o bom é viver,
sim.
Quando eu consegui abrir os olhos
para a minha "grande aposta" ela já não era mais o meu ideal, apesar
de já saber que havíamos chegado ao fim, ainda era turvo demais para aceitar,
eu havia apostado alto, abrir mão parecia doer bem mais do que continuar
patinando entre brigas e desconfianças com carícias breves, já não
havia mais planos para um futuro, estávamos nos baseando num passado lindo e
num presente maçante. Claro, enxergar isso no meio do tormento era impossível,
mas aceitar, com o tempo, o que tudo realmente era foi libertador.
Com os olhos mais abertos, eu percebi
uma dor híbrida (Será que me enganei? Será que perdi tempo? Será que fui
incapaz? É incompetência que chama?) que iria me atormentar por algum tempo,
porém ela também seria o meio para chegar finalmente até mim.
Depois de muito pensar sozinha,
olhando para a parede roxa extremamente escura que pintamos juntos, às vezes
olhando com pesar para a pilha de jogos que brincávamos a noite, remoer os
detalhes que poderiam ter sido diferentes, me cansou tanto que de algum modo
meu foco mudou, eu continuava pensando muito sozinha, e essa solidão foi
enriquecedora nos meus dias, mas agora eu pensava em mim, eu me refletia,
analisava, sonhava pra mim. Isso começou a ficar curioso e fui me dando conta
que fazia demasiado tempo que não cuidava desse jeito dessa minha grande amiga
que sou eu. Parecia que a vontade de apostar retornava, só que essa nova aposta
era centrada em mim.
Não nego que me peguei sabotando meus
próprios sentimentos por achar que estava sendo egoísta por tomar algumas
decisões, mas era tão bom pensar em mim primeiro, novamente. Sabe aquela cor
que o outro nunca simpatizou e que você sempre gostou? Aquela viagem que foi
muito postergada? Aquela foto dos gatos que poderia ter sido pendurada na porta
e ainda não tinha sido para se evitar qualquer conflito? Então, quando eu
apostei em mim, achei que era hora de tudo acontecer.
A vida tem sido generosa comigo, eu
pude aprender de dentro pra fora, que nada me pertence a não ser eu mesma, que
não tenho domínio sobre nenhuma outra vida senão a minha e que egoísmo é eu não
querer dividir, logo aquela ideia de me colocar no centro de algumas decisões
emocionais é amor próprio, nada de egoísmo. Porque eu ainda quero compartilhar
muitos sorrisos, choros, surpresas e momentos, só que agora o retorno da minha
aposta é único: equilíbrio emocional, paz interior, sanidade. Não é que deixei
de mergulhar fundo nas pessoas, muito pelo contrário, mergulhos rasos me
assustam muito mais, só penso que agora estou nadando um pouquinho melhor.
Depois de alguns meses (e apoio
de amigos, viu só, é mesmo bem chato ser feliz sozinho, não me atrevo a dizer
impossível) as coisas foram mudando mais, as cores das paredes, os pisos, as
plantas se tornaram poucas e maiores, a ansiedade foi dando lugar para uma
sensação boa, chamo ainda de liberdade de escolhas, mas não sei se é isso, essa
é outra liberdade que me permiti recentemente - a de não ser tão exata sempre,
escolher por mim é algo que não quero mais perder, porque sim... vamos admitir,
a gente se doa de alma às relações (isso ainda acho bom, se não perde o sentido
pra mim) e então deixa de se acarinhar (e isso é bem triste).
Às vezes, fica parecendo que a gente
só se ama quando termina uma relação, não é bem assim, mas quando o fim chega,
bate a sua porta entregando um embrulho chamado "você" e levando
aquele apegado "nós" e você se vê apenas consigo para abrir o
embrulho que lhe cabe e se redescobrir é algo singular, então, nesse ponto é
que aquela dor do fim deixa de ser tão presente e ocupante e passa a ser uma
visita esporádica que retorna por meio da lembrança.
E por falar em lembranças ... elas
também se tornam boas e te fazem sorrir. É lembrar com carinho do que foi bom e
agradecer a si e ao outro por ter vivido tudo o que pode viver, é dar espaço às
novas histórias.
Este texto veio num momento muito singular para mim e terceiros . Ingrid, que texto íntegro e íntimo. Gratidão!
ResponderExcluir